sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Sexo Anal, a resenha reloaded por Igor França



O criador do sexo anal

Li Sexo Anal em uma sentada só. Apesar de ser um trocadilho barato, é verdade. Aliás, tive um professor de português, o Jorge, dizia que o trocadilho era o humor fácil dos idiotas. Apesar de vários grandes jovens usarem o tal do trocadilho a torto e a direito, como por exemplo, um tal de Rimbaud, devo reconhecer que existem formas muito mais inteligentes de humor e que normalmente usamos o trocadilho para fazer piadas com os tios no churrasco de domingo (ou para escrever "Um Coração Sob a Sotaina"). De fato me sinto mais retardado cada vez que faço ou  aprecio um trocadilho.(Inclusive o jornalista do globo, André Luís Mansur deve ser um grande apreciador de trocadilhos, por todo um período de 24 horas/dia).

Sexo Anal é genial, talvez uma das grandes coisas que tive a sorte de tomar conhecimento nessa nossa contemporaneidade: é sensível, é lindo (repare que me refiro ao livro e já abandonei os trocadilhos há milênios). Biajoni apresenta neste texto uma escrita bastante rara nos dias atuais já que não aparenta ser pretensioso, não constrói um livro de milhares de relações e alusões internas hipercomplexas a outros autores e obras da “literatura universal”, praticamente codificadas, para que, se der sorte, a crítica literária um dia o leia, descubra tais alusões e o tenha como gênio, fazendo da literatura algo como um caça palavras do John Nash, não deseja ser complexo a maneira acadêmica ou à moda das notas de rodapé. A complexidade de seu texto nasce de um conhecimento quase inefável dos comportamentos humanos; não usa palavras de baixo calão para impressionar os jovens, nem para ser moderno, nem porque não sabe escrever, nenhuma dessas porras, caralho.  Há sim, vários elementos da trama interna que denunciam a complexidade por baixo dos panos. Verifica-se, por exemplo quando analisamos por que Virgínia apaixona-se por Luiz: inexperiência e amor ao sexo anal. Como Luiz tinha sido o único a fazer sexo anal com ela (e ela, naturalmente, apaixonou-se pela modalidade) ela transferiu esse sentimento de prazer para ele, que alíás foi testado por sua amiga, Ana, que comprovou que Luiz era um completo fiasco na cama. E finalmente, quando Virgínia transa com o médico (inclusive sua profissão, médico, denuncia não só o status social que Luiz não tinha, mas também o conhecimento e a habilidade de lidar com o corpo que este último jamais teria e que era muito caro a Virgínia) apaixona-se verdadeiramente, pelo médico ou pelo sexo anal bem feito, tanto faz.  Ou seja,  um bom livro, não é feito de citações, é bom quando um autor deseja escrever por si mesmo, explorar suas sensibilidades, explorar suas próprias lendas...algo raro hoje em dia... ao menos raro de ser publicado.

Devo concordar com o Alan que senti algumas influências Bukowskianas aqui, porém, ao contrário do estilo misantropo do Bukowski que usa de obscenidades e mostra-se altamente mal-humorado com o objetivo supremo de se afastar do próprio leitor, como maneira de renegar a si mesmo e muitas vezes o próprio fazer literário, renegar o way o life, renegar o sonho americano, de mostrar o quanto o seu mundo e o do leitor são diferentes e tornar mais evidente a sujeira, a solidão e a bizarrice, Biajoni usa o mesmo recurso, porém de uma maneira tão bem articulada e inteligente que se aproxima do leitor. É visível na sensibilidade do autor, nas vacilações das personagens: Biajoni escreveu homens e mulheres lindas. Biajoni é Biajoni, Bukowski é um velho safado.

Há algum tempo, venho notado que a literatura atual (e se a literatura atual recorre a tal fórmula nefasta, também o entendimento das pessoas recorre) caiu numa fórmula de compreensão dos anseios humanos mais plana do que um personagem de novela das 8 da globo. A fórmula é: “todos estão voltados somente para o lucro pessoal”. Existe algo mais adolescente do que isso? É como se, após a infância, após descobrirmos que o mundo pode ser bastante sórdido, para nos proteger, de supetão, saímos do mundo plenamente bom e belo da infância e nasce o mundo plenamente feio e mal da adolescência e daí afirmássemos: “todos aspiram somente o lucro pessoal, todos desejam somente poder” ou “o mundo é uma selva”  viajando com grande facilidade de um polo a outro, (e todas aquelas “verdades”  que dançam na mente e na boca de adolescentes de 14 a 50 anos que leram mal os gênios alemães e judeus em geral ou que simplesmente não leram porra nenhuma mesmo... ou pior, leram só um livro, ou autor e esse virou um Deus e uma bíblia para o aspira a intelectual... sempre me disseram : “o pior leitor é um leitor de um livro só”) . A questão é que sim, de fato essas verdades tem seu direito como “verdade”, no entanto “a parada é muito mais louca do que você pensa”: os personagens que passeiam desde o ridículo até atos louváveis e grandiosos, da baixeza a dignidade, se guiam por várias motivações, eles são príncipes e levaram soco na cara, tá aí um livro que o Poema em linha reta não derruba.

E como se isso não fosse impressionante o suficiente para os atuais anos de Etiópia poética em que vivem os catálogos editoriais (veja como na poesia são os famintos que fazem a fome e não a fome que faz os famintos como no mundo “real”) ainda tem-se uma  estrutura do texto que prende sua atenção TOTALMENTE. É bom, de vez em quando, constatar que existem autores vivos que escrevem como literatos e não como alunos da quinta série fazendo redações sobre as férias escolares. Aqui o interesse é na trama como um todo, nada foi feito ao acaso, nenhum personagem esquecido por mero desleixo, aqui há um real acabamento do texto, sua organização possui ritmo e prende a atenção, ele sabe fazer suspense sem ser apelativo e nesse ponto me lembra um pouco a habilidade de Victor Hugo (mais especificamente em ‘Os Miseráveis’) na construção da trama, de manter interessado o leitor, mas, obviamente, com um sotaque tupiniquim e, ao invés da miséria e Waterloo, tece reflexões sobre imprensa, relações complexas e... cús.

Aliás, a imprensa! Faltava um livro que, com aquele humor que só a literatura brasileira consegue fazer, que já está presente no Machado que é basicamente aquele humor que você não sabe se ri ou se chora que tratasse da questão da imprensa marrom, dessa coisa que as pessoas chamam de informação, mas que para os mais observadores não passam de factoides, pois não oferecem nenhuma análise mais profunda da própria questão noticiada ou sobre a compreensão do fato na conjuntura do próprio mundo (“Filho do Leonardo come frango” e escândalo de corrupção não são informação, apesar de eu gostar de frango).  A análise do Biajoni do moralismo do brasileiro (como do velho caipira, que se acha na condição de juiz para decidir o que fazer com os dois jovens fugitivos) é muito mais informativa do que 50 horas de Jornal Nacional sem intervalos.
Recomendo o livro, não vou escrever muito mais já que só minha avó, meu cachorro, e  meu papagaio vao ler isso aqui, com muito custo.

P.S.: Falei do André Luís no início do texto porque ele não entendeu nada. Não entendeu que o erotismo do sexo anal não é valido em si mesmo como no ganhador do Nobel de... 2006(?) da Bruna Surfistinha, nem se pretende que ele seja pesado, intragável, ou que choque alguém,  o segredo do livro é se chamar Sexo Anal e não ser nojento ou reprovável (apesar de existir esse preconceito no livro). E apesar disso essa incompreensão do jornalista global (?) está na contracapa do livro. Será que quem não entendeu fui eu? Pode ser, essas coisas sempre acontecem comigo.

                Igor Oliveira França

Um comentário:

Alan Tórma disse...

Sim, sim, com relação a Bukowski é vero, concordo. E realmente, como você discorreu depois, essa questão da escrita contemporânea, pelo menos essa que parece intensamente derivada do beat e outros movimentos que fizeram ruir a literatura cheia de floreios; essa escrita me intriga. Porque mesmo recusando alusões e um tipo texto rebuscado, etc, etc, ela consegue mostrar campos da existência, simplesmente ignorados até então pela escrita (que não aquela clandestina e libertina), mostrar de forma visceral. E, por incrível que pareça, com um linguajar nada adequado às academias e o que for, conseguem - como estou vendo em "On the Road" - atingir pontos sublimes da mesma maneira, ou bem melhor (já que aproxima qualquer leitor) do que grandes, truncadas e ambiciosas análises, etc. Isso me interessa, e me interessou bastante no texto do Biajoni, a exceção de algumas sentenças que me pareceram um aluno de ensino médio escrevendo... haha Não prejudicando a sacada da obra!