terça-feira, 26 de março de 2013

A aldeia Maracanã


“Não há propriamente uma questão indígena. Há uma questão não-indígena. Quer dizer, nós, não índios, é que somos o problema.” (Darcy Ribeiro, em discurso que aparece no vídeo abaixo, em 1978)



Como os brasileiros muito bem sabem, Maracanã, ave da família dos psitacídeos – ou seja, do grego ψιττακός, ou papagaio -, se refere a vários pássaros típicos das florestas tropicais, semelhantes na etimologia e em formas às Araras. 

Periquitão-Maracanã (Aratinga leucophthalmus)[1]

O próprio sítio do Estádio de Futebol Maracanã, assim se refere ao nome como uma de suas curiosidades:
“Por que o nome Maracanã? A palavra ‘maracanã’, em tupi, significa ‘maracá’ (chocalho) e ‘nã’ (semelhante).  O termo designa um som emitido por um pássaro da família Psittacidae, conhecido como ‘maracanã’, presente em várias regiões do Brasil. À família pertencem espécies como o papagaio, a jandaia e a arara. Antes da construção do estádio, havia no local uma grande quantidade das aves.” [2]
A ave maracanã, assim como a multiplicidade da fauna brasileira, é citada dentre as exaustivas enumerações poéticas de Mário de Andrade no seu Macunaíma – O heroi sem nenhum caráter. Por outra parte, Hans Staden, aventureiro alemão que depõe os considerados primeiros relatos sobre o Brasil na década de 1550, em Duas Viagens ao Brasil, diz acerca dos maracás[3] – as entidades ou deuses, dos tupinambás, antropófagos dos quais ficou cativo –, que eram chocalhos ornamentados, observados também em muitas outras etnias. Não se pode aqui negligenciar o nome daquele registro cultural afro-brasileiro, o maracatu.
“O significado etimológico do termo maracatu enseja algumas explicações. Aplicado a um tipo de ‘dança dramática’ de origem africana, é Mário de Andrade quem confessa não haver encontrado a palavra em qualquer documento anterior ao século XX. Trata-se possivelmente de vocábulo formado por aculturação, o que se infere, dessa forma, de interpretá-lo — o maracatu — ‘como voz africana, porque ele se assimila facilmente a fonemas guaranis’. E explica ainda: ‘Maracá é um instrumento ameríndio de percussão conhecidíssimo. Catu, em tupi, quer dizer bom, bonito, aglutinando, em seguida, lembrando a formação maracá — catu, do que resulta maracatu fundidas as duas sílabas cá’.” [4]
A aldeia Maracanã não tem mais seu território original há décadas, assim como várias etnias BRASILEIRAS cristianizadas, marginalizadas e assassinadas. Não é que esses fatos sejam únicos na história humana, nem que guerra ou outras catástrofes possam deixar de acontecer. Não se pode chegar a uma ingenuidade desse nível! Mas, o que se deve reconhecer, é que o discurso largamente defendido pelo neoliberalismo econômico – modelo que agora vige nas práticas sócio-políticas do Brasil e largamente no mundo -, de que se deve defender a “liberdade” dos indivíduos, noção primordialmente econômica (como se cada ser humano fosse uma formiga operária), é diretamente contrário ao que se faz para mantê-lo: ou seja, exclui-se aqueles que estão marginais a esse modelo, marginaliza-se, quando não, autoriza-se tanto judicial como politicamente o extermínio, como aconteceu a vários outros povos (ex. os Kaiowás). É propriamente a contradição, no sentido marxiano, a ser evidenciada.
De outro lado, está aí o resultado da modernidade, do período industrial, etc., etc.: seres extremamente individualistas - com, claro, computadores em frente ao rosto e redes sociais, a glória do “progresso” e tal -, dispersos e incapazes de inter-relação pessoal sem auxílio de um pedaço de papel - o dinheiro capitalizado.

Sítio da Aldeia Maracanã: http://aldeiamaracanarj.wix.com




[3] “Neste entretempo, os homens se juntaram numa outra cabana. Lá beberam caium e cantaram em honra aos seus ídolos, chamados maracás, que são matracas de cabaça e que tão corretamente lhes anunciaram a minha captura.” (Staden, H. Duas Viagens ao Brasil: Primeiros registros sobre o Brasil. Porto Alegre, RS: L&PM, 2011.


Na conferência Menos que nada: Hegel e a sombra do materialismo dialético, de Slavoj Žižek, o qual veio à Universidade de Brasília, no dia 12 de março de 2013, o índio Ash Ashaninka (que aparece aos 14:54 min do vídeo acima) pede o apoio e já prenuncia a retirada – desmedida e estúpida como foi – dos indígenas da Aldeia.


Foto por Alan Tórma

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